sábado, novembro 6

O real mapa eleitoral brasileiro e a verdadeira polarização (III)

Leia aqui a primeira e segunda partes deste post.
O alcance da imprensa e seus reflexos
Assim que foi anunciado que Dilma Rousseff era oficialmente a primeira presidente do país, pipocaram nas redes sociais opiniões embasadas nos principais veículos de comunicação. A Rede Globo de Televisão, com alcance de quase totalidade do país, foi uma das que alardeou a divisão Norte x Sul do país, e fez questão de atribuir os votos da petistas a estados menos favorecidos. As pessoas que propagavam o preconceito eram habitantes, em maioria absoluta, das regiões Sul e Sudeste do país, o que me faz refletir sobre o real significado de expressões como 'massa de manobra', 'influência da mídia' e 'quarto poder'.


Ora, muito se fala da capacidade que os meios de comunicação teriam de influenciar discussões, pensamentos e ações. Diversas teorias comunicacionais corroboram com essa linha de raciocínio, como a Teoria Hipodérmica, Teoria do Agendamento (agenda-setting) e Espiral do Silêncio. No conceito coletivo, as populações mais suscetíveis ao controle exercido pelo chamado quarto poder - a imprensa - seriam aquelas de baixa renda, reduzido grau de instrução, que vivem em condições precárias. Faz sentido, se partirmos do pressuposto que a argumentação feita a partir do acesso à informação é muito menor entre esses grupos.

Entretanto, o pressuposto já é mentiroso. Ao viajar pelo Estado em diversas oportunidades, e pelo país em outras tantas, pude perceber que quem verdadeiramente faz um exame concreto da realidade ao ver algo na televisão ou escutar informações em rádio são as populações ditas "manobráveis". Para o povo mais pobre¹, não adianta mentir: quando se diz que determinada ação atinge um lugar, quando verdadeiramente não atinge, somente quem está distante dessa realidade acreditará nisso. Isso é, ao meu ver, um dos fatores que levou à eleição de Dilma Rousseff: enquanto veículos do país propagavam a onda de denuncismo contra Dilma e o governo do presidente Lula, o povo beneficiado pelas ações estatais, que ainda é a maior parcela da nossa população, seguia vendo os resultados das políticas públicas. 

Uma parte, dita mais esclarecida, como setores da classe média urbana e grupos conservadores, mesmo sob ação da presença massiva do aparato estatal, escolheu pelo candidato da oposição. Isso explica-se ao meu ver por um fator: presença de formadores de opinião, baseando-se na opinião do sociólogo Thorstein Veblen, para quem as  pessoas fundamentam suas ações a partir da influência de grupos de referência, como círculo de amigos ligados à igreja. A necessidade de pertença a esses grupos, nesse caso, falou mais alto que a necessidade do debate sobre um projeto de país. Como esses grupos médios urbanos também são os principais financiadores da grande mídia, através da compra direta e do consumo de seus patrocinadores, esse discurso acabou por ocupar os jornais, que exercendo o quarto poder, e seu papel de agendamento, acabou por pautar as falas dos candidatos nesse segundo turno. Um erro crasso, ao meu ver, já que a eleição jamais seria decidida por essa parcela da população - ou ao menos não deveria ser.

A questão central é que essa eleição demonstrou, assim como em 2006, que o alcance da mídia ainda está limitado aos grupos médios, setores conservadores e elites urbanas. Se há alguém sobre quem a imprensa consegue exercer seu quarto poder, é sobre essas pessoas - seja ele policialesco ou de suporte às ações estatais. Pensamento crítico sobre a comunicação há em muito maior escala naquelas populações antes consideradas "manipuláveis". 

Ah, aos que dizem que pode ser enquadrada como "compra de votos" o que chamo de ação do aparato estatal, sugiro que reflitam sobre um elemento: se for assim, toda a ação positiva impetrada pelo Estado deve ser enquadrada como tal, e partiríamos então para o Estado Mínimo, sonho de muitos, e que atende somente aos interesses dos que hoje já têm condições de 'atender-se por si só'.

¹ No conceito sociológico de povo, é compreendido como toda a continuidade do elemento humano, projetado historicamente no decurso de várias gerações e dotado de valores e aspirações comuns. Assim, pode-se separar povo por estratos sociais, por terem esses aspirações comuns.

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