sexta-feira, junho 3

"Os ditadores e seus povos"

Reproduzo abaixo um texto que li no ElPais.com, que achei super interessante, principalmente pela onda de revoluções democráticas que começou no mundo árabe e tem se aproximado do Ocidente. O texto é de Juan Goytisolo, e a tradução é minha. O texto versa sobre as revoluções no mundo árabe, mas cabe um paralelo a todo líder que se utiliza das mesmas grosseiras técnicas, como aqueles que se cantam como A Polícia do Mundo.



O amor dos ditadores a seus povos não requer demonstração alguma. Se pode medir pelo número e variedade de armas e munições que empregam para mantê-los na via do progresso e da paz social traçada por eles. Via essa ameaçada por inimigos internos e externos, por "grupos de facínoras ao serviço do terrorismo internacional". À patética antologia de propostas de emenda formuladas por Ben Alí e Mubarak nos dias que antecederam suas derrotas em jornadas que mesclavam a doce promessa de mudanças com o consagrado recurso do cassetete - talvez pelo que diz o ditado "quem te quer bem te fará chorar" -, podemos adicionar nos últimos meses as quedas de Kadafi, Bashar al Asad e do presidente do Yêmen: apegados aos seus poderes oligárquicos, anunciam cessar-fogos, medidas de pacificação, calendários eleitorais conforme as demandas populares. É surreal vê-los e escutá-los nas televisões enquanto a câmera enfoca no contraplano as gigantes manifestações ou cenas de guerra, frutos da indignação popular com os poderes dinásticos acumulados por eles ao longo de décadas.

O discurso dos ditadores se adapta, é evidente, à psicologia e ao caráter de cada um deles. A carranca ameaçadora de Kadafi vomita ameaças e insultos aos inimigos do povo (o povo é o próprio!); Alí Abdulá Saleh diz uma coisa em um dia, desmentindo-se no seguinte, mas permanece com o corpo pregado na espalda da cadeira.; Bashar al Asad afirma compartilhar da dor das famílias das vítimas para aumentar em seguida o número destas, em um ritmo insano. De todas as agitações que sacodem o mundo árabe (e que se estendem em outro contexto as do 15-M da Porta do Sol), a mais valerosa e exemplar é a da Síria. Após o cerco brutal a Deraa, epicentro da contestação, Al Asad - pese sua cultivada imagem de homem amável e conciliador, capaz de transformar  o autoritarismo de seu pai em uma ditabranda (Juan fez estágio na Folha de São Paulo), não vacilou em enviar a artilharia e carros de combate da Guarda Presidencial e da Quarta Divisão Encouraçada às cidades de Homs, Lattaquié, Banias e aos subúrbios "rebeldes" da capital. Como seus pares da Líbia e do Iêmen, assegura que os manifestantes são fantoches dos oposicionistas e de terroristas ainda que a realidade o desminta. Os vídeos adicionados ao Facebook revelam somente o cruel esmagamento daqueles que protestam de forma pacífica. O exército e a polícia se dedicam a operações de limpeza para "preservar a paz". A paz dos cemitérios, para as vítimas e seus parentes.

A situação estratégica da Síria, país fronteiriço de Iraque, Líbano, Jordânia e Israel, justifica a cautela de Obama em seu discurso da última semana. O revés a Kadafi e Ali Abdulah Saleh, de quem exigem a saída imediata para dar espaço a um regime democrático, se reduz no caso de Al Asad, negociador irredutível de um agora quimérico acordo de paz com Israel, a um mero tapinha na mão. O risco de uma implosão sectária como a que sofre Iraque depois da desastrada invasão de 2003 não se pode descartar, mas não deve servir de justificativa a um sistema opressivo que deprecia a vida da população, a uma ditadura que sacou a máscara dialogadora que exibia quando visitei Damasco a pouco mais de um ano. As repressões violentas do poder, sejam elas da Líbia, Síria ou Iêmen, requerem também uma condenação impositiva por parte da desunida União Européia, que somente agora abre os olhos aos abusos de líderes aos quais dava apoio até ontem, por interesses econômicos, e a quem vendiam armas, inclusive bombas cluster.
Para defender os alcances e conquistas do povo, escutamos aqui e acolá, que estão dispostos a tudo: inclusive a sacrificar o próprio povo. O amor dos ditadores - árabes e ocidentais - para com a pátria com que se identificam, não tem outro limite que não a morte, seja ela a sua própria, ou de um número na verdade para eles secundário de seus bem-amados súditos.

Um comentário:

  1. Olá, gostei do espaço, conheci lá no twitter.

    Devagarinho eu vou ler as pstagens por aqui, se eu não comentar é por falta de tempo mano!

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