Reproduzo abaixo um texto que li no ElPais.com, que achei super interessante, principalmente pela onda de revoluções democráticas que começou no mundo árabe e tem se aproximado do Ocidente. O texto é de Juan Goytisolo, e a tradução é minha. O texto versa sobre as revoluções no mundo árabe, mas cabe um paralelo a todo líder que se utiliza das mesmas grosseiras técnicas, como aqueles que se cantam como A Polícia do Mundo.
O amor dos ditadores a seus povos não requer demonstração alguma. Se pode medir pelo número e variedade de armas e munições que empregam para mantê-los na via do progresso e da paz social traçada por eles. Via essa ameaçada por inimigos internos e externos, por "grupos de facínoras ao serviço do terrorismo internacional". À patética antologia de propostas de emenda formuladas por Ben Alí e Mubarak nos dias que antecederam suas derrotas em jornadas que mesclavam a doce promessa de mudanças com o consagrado recurso do cassetete - talvez pelo que diz o ditado "quem te quer bem te fará chorar" -, podemos adicionar nos últimos meses as quedas de Kadafi, Bashar al Asad e do presidente do Yêmen: apegados aos seus poderes oligárquicos, anunciam cessar-fogos, medidas de pacificação, calendários eleitorais conforme as demandas populares. É surreal vê-los e escutá-los nas televisões enquanto a câmera enfoca no contraplano as gigantes manifestações ou cenas de guerra, frutos da indignação popular com os poderes dinásticos acumulados por eles ao longo de décadas.
A situação estratégica da Síria, país fronteiriço de Iraque, Líbano, Jordânia e Israel, justifica a cautela de Obama em seu discurso da última semana. O revés a Kadafi e Ali Abdulah Saleh, de quem exigem a saída imediata para dar espaço a um regime democrático, se reduz no caso de Al Asad, negociador irredutível de um agora quimérico acordo de paz com Israel, a um mero tapinha na mão. O risco de uma implosão sectária como a que sofre Iraque depois da desastrada invasão de 2003 não se pode descartar, mas não deve servir de justificativa a um sistema opressivo que deprecia a vida da população, a uma ditadura que sacou a máscara dialogadora que exibia quando visitei Damasco a pouco mais de um ano. As repressões violentas do poder, sejam elas da Líbia, Síria ou Iêmen, requerem também uma condenação impositiva por parte da desunida União Européia, que somente agora abre os olhos aos abusos de líderes aos quais dava apoio até ontem, por interesses econômicos, e a quem vendiam armas, inclusive bombas cluster.
Para defender os alcances e conquistas do povo, escutamos aqui e acolá, que estão dispostos a tudo: inclusive a sacrificar o próprio povo. O amor dos ditadores - árabes e ocidentais - para com a pátria com que se identificam, não tem outro limite que não a morte, seja ela a sua própria, ou de um número na verdade para eles secundário de seus bem-amados súditos.